segunda-feira, 6 de outubro de 2008

O Juíz e a Sentença Ante o Poder do Dinheiro

Marcelo Mário de Melo

[Esta é uma peça de ficção. Qualquer semelhança com fatos ou personagens reais será mera coincidência]

Sempre apitou as partidas
com rigor e devoção
atento a erros e faltas
impedimento e agressão
impondo o maior respeito
durante a sua função.

Era juiz afamado
por sua seriedade
apitando mil partidas
em tudo que era cidade.
E por onde ele passava
reinava a seriedade.

Onde o mar era revolto
e a suspeita imperava
ele era convocado.
E logo quando chegava
a mão firme da justiça
ligeiro se afirmava.

Sem arrogância mas firme
sem bravata e com coragem
enquadrava os jogadores
enfrentava a cartolagem.
E assim cumprindo as regras
seguia na arbitragem.

Não aceitava conversa
com nenhum grupo fechado.
Rejeitava as igrejinhas.
Era muito reservado.
Mas falava e esclarecia
quando era convocado.

Em toda a sua carreira
era a imagem da lei
só zelando pelas regras
e sem agir feito rei.
Sobre a sua família
um pouco eu falarei.

Ele era filho único
de um casal estrangeiro
que migrou para o Brasil
sendo o pai sapateiro
amante do futebol
e torcedor verdadeiro.

Chegando em nosso país
não perdia uma partida
sempre alegre e presente
com a charanga bem suprida
cantando fazendo festa
e animando a torcida.

Nesse tempo as bolas eram
feitas de couro e à mão.
E não era qualquer um
que cumpria a missão
de conserta-las direito
sem gerar reclamação.

O pai do nosso juiz
ingressou nessa seara
abandonou os sapatos
e firme enfiou a cara
virando o mestre das bolas
sua profissão e tara.

O menino foi crescendo
jogando de sol a sol
enfronhado nas peladas
seguindo a luz do farol
sempre apitando partidas
nos jogos do futebol.

Foi aprendendo a apitar
com estilo bem seguro
decidindo com firmeza
nunca em cima do muro:
preto-preto branco-branco
claro-claro escuro-escuro.

Houve uma tentativa
de esse juiz subornar
com uma grande quantia
de qualquer um se abalar.
Mas uma firme resposta
ele deu sem vacilar.

Fez que entrava no jogo
e armou uma cilada.
Com câmara e gravador
documentou a cantada
e a turma da maladragem
terminou foi algemada.

“Meu ofício é ser juiz
sou pago para zelar
pelas regras da partida
em todo o desenrolar.
O caminho da minha vida
vai assim continuar”.

Esse seu procedimento
agradava à voz geral.
E muita gente pensava
como seria legal
se ele fosso juiz
da área judicial.

E foi então que o juiz
ouvindo o clamor do povo
se vestiu em novas folhas
saiu da casca do ovo
e começou a seguir
por esse caminho novo.

Fez o curso de direito
e saiu advogado.
Estudou para um concurso
fez um esforço danado
varou muitas madrugadas
e terminou magistrado.

Foi aprovado com glória
entre os primeiros lugares.
E logo que assumiu
se distinguiu entre os pares
por suas belas sentenças
que não tinham similares.

E continuou tranqüilo
seguindo o mesmo bordão:
“eu sou pago pelo povo
e dele tenho a função
de zelar pela justiça
sem manha nem proteção”

Como agente da justiça
agiu em muitos processos
com equilíbrio e finura
sem permitir retrocessos
calmo e sem se alterar
sem trique-triques e acesos.

Até que um dia chegou
nas funções judiciais
a ser juiz responsável
das questões eleitorais
- território preferido
das manchetes dos jornais.

Naquele tempo também
na guerra dos candidatos
entrar com ação na justiça
armar e montar boatos
era coisa habitual.
E disso existem mil fatos.

O caso que estou contanto
não quero deixar pendências
foi depois do Estado Novo
e suas acontecências
com travos de ditadura
marcando as reminiscências.

Pois numa certa eleição
para uma prefeitura
travou-se grande disputa
firmou-se a candidatura
de um candidato de esquerda
que foi contra a ditadura.

Ele tinha a preferência
pra ganhar de enxurrada
e só restava à direita
dar rasteira e dar jogada.
E uma ação judicial
foi assim articulada.

Uma promotora amiga
integrada nas elites
garantiu logo a denúncia
já certa em todos palpites.
E só faltava o juiz
para tudo ficar quites.

Ele era a grande barreira
pra fazer mais e melhor.
De modo que era preciso
com a receita de cor
rechear com muito ouro
tudo ao seu redor.

E dessa vez a riqueza
ao juiz estremeceu.
Renegando seu passado
as lições que o pai lhe deu
vendeu-se ao deus-dinheiro
manchando o antigo eu.

O juiz caiu na lama
com sua honra e sabença.
Expôs-se à corrupção
e contraiu a doença.
Quatro milhões em um cheque
foi o preço da sentença.

Contei uma história triste
e mais triste aconteceu.
Depois que assinou o termo
o juiz se arrependeu
jogou o cheque no fogo
tomou veneno e morreu.

Há mil perguntas no ar
para entender qual o elo
que fez o juiz ceder
vacilar no seu martelo.
Perguntam vocês e eu:
Marcelo Mário de Melo.

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