terça-feira, 7 de outubro de 2008

A História do Poeta que Sonhava Ser Bancário

Marcelo Mário de Melo

Desde menino eu sonhava
em crescer e ser bancário.
Mas por uma coisa ou outra
mudou meu itinerário:
em camelô e poeta
terminou o meu fadário.
Terminou não é bem certo
a merda voltou prô ânus
pois só levando carreira
perdendo pentes e panos
se tornou um Krause sério
viver de perdas e danos.
O comércio de ambulante
de livre circulação
foi proibido nas ruas
onde há loja de barão.
Camelô virou feirante
ficou pregado no chão.
Eu sendo também poeta
e vendo esse desatino
sofri que nem assum preto
na cegueira do destino.
E comecei a voltar
pro meu sonho de menino.
Só pensava em ser bancário
não sofrer perseguição
trabalhar bem arrumado
ter dinheiro e posição:i
gualzinho àquele anúncio
que sai na televisão.
Sendo bancário eu pensava
alegrar minha poesia
porque toda profissão
que observado eu havia
só rimava com tristeza
com sofrimento e azia.
O poeta adormeceu
com estas coisas na mente
mas sonhou com São Tomé
que lhe disse impertinente
dando um chute numa cabra
rasgando um cheque no dente:
"- Bebe este mel que invisível
vais ficar por muitos dias.
Percorre todos os bancos
conferindo as fantasias.
Só quem mede e pesa tudo
anda seguro nas vias"
Quando acordou vendo um pote
de mel na palma da mão
o poeta bebeu tudo
sentindo a transformação:
enquanto ele via tudo
ninguém lhe tinha visão.
Logo depois de invisível
no BRADESCO ele entrou.
Olhou a moça sorrindo
mas o sangue lhe gelou:
pois pisaram no pé dela
e ela nem se alterou.
Nesse banco é proibido
o sorriso desgrudar.
Também a funcionária
não tem direito a sentar.
E se sair um pouquinho
o chefe vem reclamar.
Passando pelo banheiro
das moças não resistiu:
-Aqui se sabe das coisas.
O santo é que sugeriu.
Vou ouvir coisa que homem
nenhum nesse mundo ouviu!
-Aparência é o principal
dizem chefete e chefinha.
Por isso pra comprar farda
deixei de usar calcinha:
se quiser fugir da cabra
vou ter de andar na linha.
-Eu por mim já não agüento
parir pela quarta vez
pra segurar o emprego
no tempo da gravidez.
E meu marido bancário
ta broxando há mais de um mês.
Mas se o menino nascer
e da cabra eu me livrar
será um Deus nos acuda:
não vou ter com quem deixar
pois creche por minha conta
jamais vou poder pagar.
-
Essa cabra tão falada
merece um noticiário.
Quando pinta demisão
no ambiente bancário
se diz chegou a cabra:
a maior cruz do rosário.
No banheiro masculino
seguia a mesma toada:
os bancários de gravata
e de camisa engomada
sem poder comprar cueca
tudo de bunda pelada.
Um atendente a um caixa
chorava de fazer dó:
- ontem tive um contratempo
terrível com meu xodó.
Fomos juntos pro motel
e a piroca deu um nó.
É que quando tava armado
com toda disposição
ela feito melancia
querendo comer facão
uma cabra deu um berro
e baixou minha tesão.
E o pior é que ela
não é bancária é machista
não sabe nada de cabra
me mandou pegar a pista
e disse que nunca mais
um bancário lhe conquista.
Disse um gay novo e charmoso:
- A coisa ta empulhada.
Tesão aqui pra bancário
tá de conta bloqueada.
Quem pode transar em paz
com a cabeça agoniada?
O problema não é teu.
É coisa muito geral.
É de homem de mulher
de gay de bissexual:
a opressão dos banqueiros
está na base do mal.
Pegando essa amostra grátis
logo no primeiro banco
se fosse outro sujeito
perdia logo o arranco.
Mas o poeta insistiu:
- no começo eu não estanco!
E saiu fazendo a ronda
de agência por agência
por toda sala e setor
de vigilância a gerência.
E em toda parte encontrava
exploração e inclemência.
Grande sessão de humor negro
no "bom" AMIGO NA PRAÇA
pois ali bancário antigo
sofre demissão em massa
enquanto o chefete puxa
e o banqueiro acha graça.
No MERCANTIL DE SÃO PAULO
"Alto Padrão de Serviço"
férias só de vinte dias
o restante tem sumiço
trava em relógio de ponto
- e o povo nem sabe disso.
Naquele do guarda-chuva
é festival de maldade:
não se recebe hora-extra
nem a produtividade.
Mas no plim-plim da TV
Ái meu Deus quanta bondade!
O LONDON BANK produz
novos judas brasileiros:
bancários pressionados
a entregar companheiros
depondo nos tribunais
em defesa dos banqueiros.
No BB uma notícia
circulou no mictório:
- Em São Paulo foi formada
sala de interrogatório.
E um monte de inspetor
faz esse serviço inglório.
ECONÕMICO ITAÚ
COMIND APEPE UNIBANCO
BNB E BANORTE
SAFRA do mesmo tamanco:
todos pisando o bancário
sem das troco e dando tranco.
No mar de contravenção
abuso e coisa ilegal
um dia meio perdido
foi encontrado um fiscal.
Só que usava uns óculos
com armação mas sem grau.
- A receita é do oculista
de lá da DRT.
Por isso que a gente olha
olha de novo e não vê.
E não posso acreditar
em nada que diz você.
Fiscal que não usa óculos
flagra e começa a multar
a coisa quem mais escuta
é banqueiro a gargalhar:
pois é melhor pagar multa
do que a lei respeitar.
Vendo assim que o bancário
andava em arame fino
e que beleza só havia
no seu sonho de menino
o poeta entrou em crise
só pensando em desatino.
Mas nesse momento exato
foi pegado pelo pé
pois olhando para ele
firme estava São Tomé
que disse: tirou a prova?
já sabe como é que é?
Agora entre na luta
passe do primeiro chute.
Vá pro lado do bancário.
Vá fortalecer a CUT:
Tem vaga para poeta.
Pegue a caneta e escute.
E se ouviram nas ruas
vozes a plenos pulmões
e mãos erguendo cartazes
denunciando opressões.
Os bancários defendiam
suas reivindicações:
- Melhor salário pra todos
e melhores condições!
- Pagamento de hora-extra
e fim das perseguições!
- Creches pra todas bancárias
e chega de demissões!
-Banqueiro calça 40
isto é fácil de notar.
Mas nós que somos bancários
vamos pensar sem parar:
se existe a bitola deles
a nossa vamos achar.
- A força de quem trabalha
de caneta e ferramenta
andando no rumo certo
a exploração arrebenta:
aprendendo a ABCD
a gente calça é 80!
- Esta é a nossa resposta.
É taxa é juro é cobrança.
É nossa conta conjunta.
É nosso saldo e poupança.
Quem vive nos esfolando
vai ter que mudar a dança.
O poeta corrigiu
seu sonho irreal mais belo.
E sobre o drama bancário
falei certo: eu não apelo.
Tudo que eu disse eu assino:
Marcelo Mário de Melo.

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