quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Saudação à Musa

Marcelo Mário de Melo

Bom dia começa agora
quando falo com a Musa
que trás com ela a poesia
me acende e me lambuza
convocando mil estrelas
e anjinhos de cara suja.

Me lambuza de alegria
de poesia verdadeira.
Me faz voar pelos ares
sonhar e pensar besteira
só querendo que esta festa
continue a vinda inteira.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

A História do Poeta que Sonhava Ser Bancário

Marcelo Mário de Melo

Desde menino eu sonhava
em crescer e ser bancário.
Mas por uma coisa ou outra
mudou meu itinerário:
em camelô e poeta
terminou o meu fadário.
Terminou não é bem certo
a merda voltou prô ânus
pois só levando carreira
perdendo pentes e panos
se tornou um Krause sério
viver de perdas e danos.
O comércio de ambulante
de livre circulação
foi proibido nas ruas
onde há loja de barão.
Camelô virou feirante
ficou pregado no chão.
Eu sendo também poeta
e vendo esse desatino
sofri que nem assum preto
na cegueira do destino.
E comecei a voltar
pro meu sonho de menino.
Só pensava em ser bancário
não sofrer perseguição
trabalhar bem arrumado
ter dinheiro e posição:i
gualzinho àquele anúncio
que sai na televisão.
Sendo bancário eu pensava
alegrar minha poesia
porque toda profissão
que observado eu havia
só rimava com tristeza
com sofrimento e azia.
O poeta adormeceu
com estas coisas na mente
mas sonhou com São Tomé
que lhe disse impertinente
dando um chute numa cabra
rasgando um cheque no dente:
"- Bebe este mel que invisível
vais ficar por muitos dias.
Percorre todos os bancos
conferindo as fantasias.
Só quem mede e pesa tudo
anda seguro nas vias"
Quando acordou vendo um pote
de mel na palma da mão
o poeta bebeu tudo
sentindo a transformação:
enquanto ele via tudo
ninguém lhe tinha visão.
Logo depois de invisível
no BRADESCO ele entrou.
Olhou a moça sorrindo
mas o sangue lhe gelou:
pois pisaram no pé dela
e ela nem se alterou.
Nesse banco é proibido
o sorriso desgrudar.
Também a funcionária
não tem direito a sentar.
E se sair um pouquinho
o chefe vem reclamar.
Passando pelo banheiro
das moças não resistiu:
-Aqui se sabe das coisas.
O santo é que sugeriu.
Vou ouvir coisa que homem
nenhum nesse mundo ouviu!
-Aparência é o principal
dizem chefete e chefinha.
Por isso pra comprar farda
deixei de usar calcinha:
se quiser fugir da cabra
vou ter de andar na linha.
-Eu por mim já não agüento
parir pela quarta vez
pra segurar o emprego
no tempo da gravidez.
E meu marido bancário
ta broxando há mais de um mês.
Mas se o menino nascer
e da cabra eu me livrar
será um Deus nos acuda:
não vou ter com quem deixar
pois creche por minha conta
jamais vou poder pagar.
-
Essa cabra tão falada
merece um noticiário.
Quando pinta demisão
no ambiente bancário
se diz chegou a cabra:
a maior cruz do rosário.
No banheiro masculino
seguia a mesma toada:
os bancários de gravata
e de camisa engomada
sem poder comprar cueca
tudo de bunda pelada.
Um atendente a um caixa
chorava de fazer dó:
- ontem tive um contratempo
terrível com meu xodó.
Fomos juntos pro motel
e a piroca deu um nó.
É que quando tava armado
com toda disposição
ela feito melancia
querendo comer facão
uma cabra deu um berro
e baixou minha tesão.
E o pior é que ela
não é bancária é machista
não sabe nada de cabra
me mandou pegar a pista
e disse que nunca mais
um bancário lhe conquista.
Disse um gay novo e charmoso:
- A coisa ta empulhada.
Tesão aqui pra bancário
tá de conta bloqueada.
Quem pode transar em paz
com a cabeça agoniada?
O problema não é teu.
É coisa muito geral.
É de homem de mulher
de gay de bissexual:
a opressão dos banqueiros
está na base do mal.
Pegando essa amostra grátis
logo no primeiro banco
se fosse outro sujeito
perdia logo o arranco.
Mas o poeta insistiu:
- no começo eu não estanco!
E saiu fazendo a ronda
de agência por agência
por toda sala e setor
de vigilância a gerência.
E em toda parte encontrava
exploração e inclemência.
Grande sessão de humor negro
no "bom" AMIGO NA PRAÇA
pois ali bancário antigo
sofre demissão em massa
enquanto o chefete puxa
e o banqueiro acha graça.
No MERCANTIL DE SÃO PAULO
"Alto Padrão de Serviço"
férias só de vinte dias
o restante tem sumiço
trava em relógio de ponto
- e o povo nem sabe disso.
Naquele do guarda-chuva
é festival de maldade:
não se recebe hora-extra
nem a produtividade.
Mas no plim-plim da TV
Ái meu Deus quanta bondade!
O LONDON BANK produz
novos judas brasileiros:
bancários pressionados
a entregar companheiros
depondo nos tribunais
em defesa dos banqueiros.
No BB uma notícia
circulou no mictório:
- Em São Paulo foi formada
sala de interrogatório.
E um monte de inspetor
faz esse serviço inglório.
ECONÕMICO ITAÚ
COMIND APEPE UNIBANCO
BNB E BANORTE
SAFRA do mesmo tamanco:
todos pisando o bancário
sem das troco e dando tranco.
No mar de contravenção
abuso e coisa ilegal
um dia meio perdido
foi encontrado um fiscal.
Só que usava uns óculos
com armação mas sem grau.
- A receita é do oculista
de lá da DRT.
Por isso que a gente olha
olha de novo e não vê.
E não posso acreditar
em nada que diz você.
Fiscal que não usa óculos
flagra e começa a multar
a coisa quem mais escuta
é banqueiro a gargalhar:
pois é melhor pagar multa
do que a lei respeitar.
Vendo assim que o bancário
andava em arame fino
e que beleza só havia
no seu sonho de menino
o poeta entrou em crise
só pensando em desatino.
Mas nesse momento exato
foi pegado pelo pé
pois olhando para ele
firme estava São Tomé
que disse: tirou a prova?
já sabe como é que é?
Agora entre na luta
passe do primeiro chute.
Vá pro lado do bancário.
Vá fortalecer a CUT:
Tem vaga para poeta.
Pegue a caneta e escute.
E se ouviram nas ruas
vozes a plenos pulmões
e mãos erguendo cartazes
denunciando opressões.
Os bancários defendiam
suas reivindicações:
- Melhor salário pra todos
e melhores condições!
- Pagamento de hora-extra
e fim das perseguições!
- Creches pra todas bancárias
e chega de demissões!
-Banqueiro calça 40
isto é fácil de notar.
Mas nós que somos bancários
vamos pensar sem parar:
se existe a bitola deles
a nossa vamos achar.
- A força de quem trabalha
de caneta e ferramenta
andando no rumo certo
a exploração arrebenta:
aprendendo a ABCD
a gente calça é 80!
- Esta é a nossa resposta.
É taxa é juro é cobrança.
É nossa conta conjunta.
É nosso saldo e poupança.
Quem vive nos esfolando
vai ter que mudar a dança.
O poeta corrigiu
seu sonho irreal mais belo.
E sobre o drama bancário
falei certo: eu não apelo.
Tudo que eu disse eu assino:
Marcelo Mário de Melo.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

O Juíz e a Sentença Ante o Poder do Dinheiro

Marcelo Mário de Melo

[Esta é uma peça de ficção. Qualquer semelhança com fatos ou personagens reais será mera coincidência]

Sempre apitou as partidas
com rigor e devoção
atento a erros e faltas
impedimento e agressão
impondo o maior respeito
durante a sua função.

Era juiz afamado
por sua seriedade
apitando mil partidas
em tudo que era cidade.
E por onde ele passava
reinava a seriedade.

Onde o mar era revolto
e a suspeita imperava
ele era convocado.
E logo quando chegava
a mão firme da justiça
ligeiro se afirmava.

Sem arrogância mas firme
sem bravata e com coragem
enquadrava os jogadores
enfrentava a cartolagem.
E assim cumprindo as regras
seguia na arbitragem.

Não aceitava conversa
com nenhum grupo fechado.
Rejeitava as igrejinhas.
Era muito reservado.
Mas falava e esclarecia
quando era convocado.

Em toda a sua carreira
era a imagem da lei
só zelando pelas regras
e sem agir feito rei.
Sobre a sua família
um pouco eu falarei.

Ele era filho único
de um casal estrangeiro
que migrou para o Brasil
sendo o pai sapateiro
amante do futebol
e torcedor verdadeiro.

Chegando em nosso país
não perdia uma partida
sempre alegre e presente
com a charanga bem suprida
cantando fazendo festa
e animando a torcida.

Nesse tempo as bolas eram
feitas de couro e à mão.
E não era qualquer um
que cumpria a missão
de conserta-las direito
sem gerar reclamação.

O pai do nosso juiz
ingressou nessa seara
abandonou os sapatos
e firme enfiou a cara
virando o mestre das bolas
sua profissão e tara.

O menino foi crescendo
jogando de sol a sol
enfronhado nas peladas
seguindo a luz do farol
sempre apitando partidas
nos jogos do futebol.

Foi aprendendo a apitar
com estilo bem seguro
decidindo com firmeza
nunca em cima do muro:
preto-preto branco-branco
claro-claro escuro-escuro.

Houve uma tentativa
de esse juiz subornar
com uma grande quantia
de qualquer um se abalar.
Mas uma firme resposta
ele deu sem vacilar.

Fez que entrava no jogo
e armou uma cilada.
Com câmara e gravador
documentou a cantada
e a turma da maladragem
terminou foi algemada.

“Meu ofício é ser juiz
sou pago para zelar
pelas regras da partida
em todo o desenrolar.
O caminho da minha vida
vai assim continuar”.

Esse seu procedimento
agradava à voz geral.
E muita gente pensava
como seria legal
se ele fosso juiz
da área judicial.

E foi então que o juiz
ouvindo o clamor do povo
se vestiu em novas folhas
saiu da casca do ovo
e começou a seguir
por esse caminho novo.

Fez o curso de direito
e saiu advogado.
Estudou para um concurso
fez um esforço danado
varou muitas madrugadas
e terminou magistrado.

Foi aprovado com glória
entre os primeiros lugares.
E logo que assumiu
se distinguiu entre os pares
por suas belas sentenças
que não tinham similares.

E continuou tranqüilo
seguindo o mesmo bordão:
“eu sou pago pelo povo
e dele tenho a função
de zelar pela justiça
sem manha nem proteção”

Como agente da justiça
agiu em muitos processos
com equilíbrio e finura
sem permitir retrocessos
calmo e sem se alterar
sem trique-triques e acesos.

Até que um dia chegou
nas funções judiciais
a ser juiz responsável
das questões eleitorais
- território preferido
das manchetes dos jornais.

Naquele tempo também
na guerra dos candidatos
entrar com ação na justiça
armar e montar boatos
era coisa habitual.
E disso existem mil fatos.

O caso que estou contanto
não quero deixar pendências
foi depois do Estado Novo
e suas acontecências
com travos de ditadura
marcando as reminiscências.

Pois numa certa eleição
para uma prefeitura
travou-se grande disputa
firmou-se a candidatura
de um candidato de esquerda
que foi contra a ditadura.

Ele tinha a preferência
pra ganhar de enxurrada
e só restava à direita
dar rasteira e dar jogada.
E uma ação judicial
foi assim articulada.

Uma promotora amiga
integrada nas elites
garantiu logo a denúncia
já certa em todos palpites.
E só faltava o juiz
para tudo ficar quites.

Ele era a grande barreira
pra fazer mais e melhor.
De modo que era preciso
com a receita de cor
rechear com muito ouro
tudo ao seu redor.

E dessa vez a riqueza
ao juiz estremeceu.
Renegando seu passado
as lições que o pai lhe deu
vendeu-se ao deus-dinheiro
manchando o antigo eu.

O juiz caiu na lama
com sua honra e sabença.
Expôs-se à corrupção
e contraiu a doença.
Quatro milhões em um cheque
foi o preço da sentença.

Contei uma história triste
e mais triste aconteceu.
Depois que assinou o termo
o juiz se arrependeu
jogou o cheque no fogo
tomou veneno e morreu.

Há mil perguntas no ar
para entender qual o elo
que fez o juiz ceder
vacilar no seu martelo.
Perguntam vocês e eu:
Marcelo Mário de Melo.