sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Borboletragens

Marcelo Mário de Melo

Nas palavragens aladas
há todo tipo de efeito.
Eu juntei abraço e beijo
escrevi de outro jeito
inventei o abraceijo
e vôo no novo conceito.

Pra localizar um doido
há um justo palavrar.
O Aurélio não registra
o verbo loucalizar.
Mas se a gente for usando
ele vai se incorporar.

Militante bem pirado
eu chamo de militonto
que um frade assimilou
sem me creditar um ponto.
Me disse um vereadoido
e o caso depois eu conto.

Ótima é o que gente diz
de uma coisa muito boa.
Ou então maravilhosa
se mais alto ela revoa.
Que seja maravilhótima
sem jogar conversa à toa.

“Parabéns para você”
é feito pão sem o queijo.
É se andar para trás
imitando caranguejo.
Renove sua mensagem
mandando um parabeijo.

Um teórico muito culto
escapou de um atentado
e morreu de modo nobre
muito mais apropriado:
levou um choque de idéias
e foi eletrocultado.

Tem que ter o nome certo
um pequeno município.
Por sem bem pequenininho
não pode ser megacípio.
Portando o justo batismo
com certeza é minicípio.

O minimalismo agora
na política faz plantão.
Tudo fica reduzido.
Só se pensa em eleição.
Se redige minifesto.
Se faz minifestação.

Burolico ou milicrata
esta é a condição
do combatente armado
que multiplica a ação
mas age pela rotina
e a dogmatização.

O N de O.N.G
Sofreu mudanças demais.
Ontem era não-governo.
Hoje tem governo atrás.
Muitas das ONGs
são neogovernamentais.

Distanciápolis é morada
de gente que vive alheia
desligada das pessoas
enredada em sua teia
que pega a fotografia
e não olha a lua cheia.

Ser normal é um estado
que dá muita discussão.
Saber o que é errado.
Dizer o que está são.
É um padecente normóide
quem pega essa encucação.

Masculino sem machismo
é a proposta exemplar
que agora o masculinismo
vai forjando ao afirmar
que somos todos iguais
sempre e em primeiro lugar

Dar parabéns/bater palmas
coisas que não têm poréns:
são diretas e exatas
ativas sem vai-e-vens.
E quando vêm os dois juntos
só podem ser palmabéns.

O mentiroso de ofício
não se cansa de mentir.
viciado no seu rumo
não deixa a bola cair:
quando admite a mentira
o que faz é admentir.

Pessoas impertinentes
cheias de fel e amarguras
botam gosto ruim nas coisas
presentes e até futuras.
De fato não são pessoas:
elas são cricriaturas.

Um burro não elabora:
só estraga e faz borrão.
Mas tem burro bem teimoso
que insiste na intenção:
quando se dana a criar
só faz elaburração.

Meditar é coisa antiga
e gerou muita invenção
Há meditante budista.
Há os sem-religião.
Um monge que foi pro mal
crou a malditação.

Engrassádico também
é outra palavra nova
que mistura água e vinho
junta sorriso com sova
dá parabéns à viúva
cospe na beira da cova.

Em praia de tubarão
o risco é sem tamanho.
Quem quiser cair na água
tem que pesar perda e ganho
pois em vez do banho de mar
pode ter um tubabanho.

Tem professora safada
agindo de peito aberto
puxando papo indecente
com quem estiver por perto.
Docente não: indocente.
É este o seu nome certo.

Ela é bem pequenininha
a mascote do salão.
Cuida direito das unhas
de criança e ancião
No tamanho é minicure
mas grande na profissão.

Juiz que vende sentença
faz corpo mole em processo
dá liberdade a bandido
inocenta réu confesso
na verdade é um maugistrado
e no crime deu ingresso.

Professor enganador
que falta e chega atrasado
não exige nem ajuda
nem dá bem o seu recado
exercita o maugistério
e é um degenerado.

Atendia no balcão
e cuidava de dinheiro.
Funcionário da Caixa
seguia o seu roteiro.
Por tomar muita cachaça
se dizia um caixaceiro.

Libidinagem na Igreja
rola no altar e na pia
e os jornais dão notícia
quase todo santo dia.
Tem padre atrás de criança
pra fazer padrofilia.

Uma mulher molhadinha
e morrendo de ciúme
é um caso perigoso
sinal de alerta no cume.
Ante a amante ciúmida
dê um jeito e se aprume.

Uma moça extrovertida
de alegria transbordante
muito gostosa e carnuda
com a retaguarda abundante
digo sem medo de errar
que ela é transbundante.

Uma mulher muito magra
seios pequenos durinhos
bem espetados na blusa
aflorando nos caminhos
de fato não possui peitos:
ela tem dois espeitinhos.

A prestação de serviços
avança sem restrição
chegando às coisas do sexo
segundo um ilustre varão
que à masturbação que paga
chama remunereção.

A língua é muito importante
em tudo o que é e viagem.
E nas trelas da tesão
vai em tudo o que é paragem.
Lambida libidinosa
se chama lambidinagem.

Homem/mulher/ homo/ bi
precisam ser bem tratados
com os termos que expressem
o real dos seus estados:
masculino femino
e os homoderivados.

Pessoas que curtem bunda
sem vacilos e sem medos
por carta e por e-mail
comungam anais segredos
fazendo currespondência
- o nome sem arremedos.

Procologistas em roda
comentam sem artifício
sobre um fiofó ou outro
atentos a todo indício.
Eles fazem cumentários
das coisas do seu ofício.

Sopradinhas caprichosas
na famosa coisa preta
trouxeram técnica de cama
unindo bico e buceta
e dando assunto a um livro
que trata da bicoleta.

E colaborando ainda
na renovação da prosa
à moça farta de busto
no decote generosa
você pode bem dizer
que ela é apeititosa.

Ninguém sente sem pensar.
Ninguém pensa sem sentir.
Pensamento e sentimento
se unem no ir e vir.
Por isso eu acho mais certo
se falar em pensentir.

Comecei a escrever com
linha bem definida
falando de coisa boa
ou catucando a ferida.
Trilhando a literatura
eu faço literavida.

Tudo é tema de poesia.
Tudo é sim e tudo é não.
Não há nada proibido.
O que vale é a construção.
A polírica está presente
e tem sua dimensão.

O lirismo se renova
do trágico ao satírico.
Poeta materialista
seja telúrico ou onírico
quando dança com as musas
é um materialírico.

A pixação de parede
cansou na forma e no tema.
Por isso já enjoado
procurei mudar o lema
dei um toque de poesia
e inventei o pixema.

São estalos de cabeça
que a gente vai sol-letrando
criando novas palavras
a linguagem renovando
voando em borboletragens
com as verbosias brincando.

Sol letrar é letrar sol
arcoirizar estrela
voejar e caminhar
com andorinha e camela
dar um close no projétil
pegar a luz e bebê-la.

Borboletrar e soltar-se
voar nas imensidões
tirar letras de depósitos
cercas amarras prisões
faze-las voar bem livres
lá nas quartas dimensões.

Vou borboletrando a vida
fazendo marceletragens
mariometricas linhas
melopoéticas viagens.
E o calor das minhas crias
vai aqui nestas aragens.

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